"O tempo estava deprimido. As nuvens ameaçavam romper os
céus de chuva grossa e até mesmo de granizo. O vento soprava fortemente contra
os objetos no seu caminho, o seu som ecoando como o sopro de uma garrafa. O céu
estava cinzento e tristonho, tal como a menina junto à janela, que pensava no
seu pequeno dilema. Joana Salgueiro, mais conhecida como Joaninha, tinha um
pedido a fazer. Uma prenda de aniversário atrasada. E, para tal, precisava de
falar com os pais acerca disso. A sua sábia madrinha, Cristina, aconselhara
falar com a sua mãe em dias maus, quando Laura Salgueiro bebia chocolate
quente. Aí, ela ficava de bom humor e era a altura perfeita para falar com ela.
Claro que Cristina ignorava que nem depois de todas as tempestades vinham
bonanças. Afinal, os pais da pequena eram pessoas erróneas, por baixo da camada
de verniz que os transpareciam como gente perfeita.
Estava sentada com as pernas cruzadas junto à varanda,
fitando o exterior com profundo aborrecimento e tristeza. Suspirou, como um
cachorrinho abandonado. Os seus grandes olhos verdes fitaram por cima do ombro
a porta do escritório, onde a sua mãe se encerrara desde o meio-dia. Pensou no
seu pai, que estava na sua empresa de engenhos eletrónicos - pelo que ela podia
entender em tão tenra idade - trabalhando. Em vez de estar ali, com as duas. Talvez
fosse por isso que a sua mãe estivesse completamente em baixo. Era suposto passarem
o dia juntos, os três em família e agora um dos membros não estava presente.
A porta do escritório abriu-se e de lá saiu uma mulher
loira. A sua mãe era bem conhecida pela sua imagem de mulher fina, com cabelo
delicado, rosto de boneca e roupas da última moda. Mas, naquele dia, aparentava
a mais comum das mulheres, os cabelos presos, cara isente de maquilhagem e
usando roupas velhas.
A sua mãe passou a sala até à cozinha, sem dar conta da
presença da filha, que a observava atentamente. Já na outra divisão, preparou
uma bebida.
Joaninha levantou-se e aproximou-se da mãe com cautela,
pensando naquilo que Cristina lhe contara. Viu que a mãe preparara o seu chocolate
quente com costumava fazer e que tirara um saco com gomas brancas do armário.
Ao ver a filha, não escondeu a surpresa:
-Querida… - Não sabendo o que dizer e não querendo manter
o silêncio, Laura olhou para a sua caneca. – Queres um pouco?
Joaninha assentiu, pegando na caneca quente da mãe. Esta
pegou num molhe de gomas brancas.
-Marshmallows? – Perguntou, exibindo um sorriso cansado.
O rosto belo tentava esconder mágoa e a falta de sono, com insucesso. A pequena
fez um olhar inquisitório.
-O que é isso? – Perguntou, com a sua vozinha de criança.
-Uma coisa que a Maria gosta muito. – Joaninha notou numa
certa hesitação ao mencionar a irmã mais velha. Joaninha sabia que faziam anos
desde que as duas se falavam. Tudo porque os maridos de ambas haviam-se pegado
por assuntos que Joaninha ainda não tinha conhecimento, sendo muito nova para
tal.
A pequena assentiu silenciosamente e deu um gole na
bebida quente, observando a goma a afogar-se no mar castanho. Soube-lhe bem, o
cacau bem forte e com um sabor doce excelente. Pelo menos para duas gulosas
como elas as duas. Pensou por um bocadinho em silêncio, ansiando pelo momento
certo para fazer o seu pedido à mãe. Laura preparou outro chocolate quente e
mergulhou dois marshmallows na sua caneca.
Laura não disse nada durante muito tempo, perdida em
pensamentos. Esquecera-se que a filha estava na mesma divisão que ela e que a
observava atentamente.
Porém, paciência não era qualidade da senhorita Joaninha Adriana
Salgueiro, que mordeu o lábio de tanto tempo esperar. Sem se aperceber, atirou
logo o seu pedido à mãe, sem aviso prévio:
-Quero um mano. – Disse, o tom um pouco mandão.
Laura não esperava
que a filha falasse de repente e muito menos que dissesse aquelas palavras. Sobressaltada, deixou cair a caneca, o chocolate
quente espalhando-se pelo chão de mármore branco e os dois solitários marshmallows
jazidos ali no meio.
-O quê?
-Queria um irmãozinho. Ou uma irmãzinha. Para brincar
comigo. – Respondeu a pequena, com seu ar inocente.
Joaninha estudou a cara da mãe, vendo as suas reações. Laura
mostrara-se surpreendida com o pedido, mas havia algo mais mal camuflado
naquelas expressões. Raiva.
Porquê, ela não sabia. Nunca soube, pois naquele momento
o seu pai entrara em casa, arrastando pelo braço uma pasta de veludo preta.
Pousou a gabardina no cabide e a pasta no chão. Joaninha ia ter com o pai para dar-lhe
um abraço, porém a mãe travou-a, os seus olhos verdes sem qualquer brilho.
Quando Pedro Salgueiro viu a filha, aproximou-se para a abraçar, até que
reparou na esposa, atrás da menina. Joaninha não se atreveu a olhar para a mãe
e descobrir que mensagem misteriosa eles passavam um ao outro. Tudo o que sabia
fora que a mãe a mandara rispidamente para cima e, poucos minutos depois,
podiam ouvir-se vozes exaltadas vindas da sala.
Ela chorou no seu travesseiro, temendo ser a culpada da
zanga dos pais. Mas ela não adivinhava que o casal já tinha problemas fazia
muito tempo e ela era a última culpada naquele problema gigante, que se
alastrara como uma bola de neve.
No dia seguinte, encontrou a mãe na cozinha a comer os
malditos marshmallows, os olhos vermelhos e a pele completamente pálida.
Murmurava para si própria, como se tivesse uma conversa imaginária com alguém.
Do pai, não havia sinal. A sua gabardina e a mala tinham desaparecido.
Laura olhou para a filha, e os seus olhos voltaram a
ficar húmidos. Num segundo, abraçava a filha com todas as suas forças, como se
a sua vida dependesse disso. E a pequena inocente fitou os marshmallows. Talvez
tivesse sido aquilo que tivesse estragado tudo o que deveria correr bem. Mas,
em qualquer dos casos, não devia ter prestado atenção ao que Cristina dizia.
Sabia lá ela o que era viver com os seus pais."
BY: Ana Santos
ainda bem que gostaste princesa *.*
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